terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Lolitas

Há a Lolita de Stanley Kubrick (1962), com a frieza e inércia de Sue Lyon. Mas também há a Lolita de Adrian Lyne (1997), com a doçura e as agitações de Dominique Swain. Particularmente, fico com Dominique. Contudo, há que se considerar a comédia em que Kubrick transforma o romance de Nabokov.


Comecemos por quem chegou primeiro. Em sua versão, Kubrick apóia-se na história do livro, mas a refaz a seu modo. O que era um drama apresenta-se de forma levemente cômica. A ironia de sua visão supera a tragédia. Com a rigidez habitual do diretor - tanto em seus planos como nas atuações -, temos aqui uma Lolita com poucos movimentos, sempre inserida estrategicamente nas cenas, como uma escultura, algo a ser apreciado - e que causa grande interesse em Humbert, personagem interpretado por James Mason. Apesar de fria, ela não deixa de ser sedutora, e quem sabe seu ponto alto esteja aí, nesta indiferença com tudo. É uma ninfeta tragável. Todavia, o Humbert de Mason pouco lembra o Humbert de Nabokov. É um personagem quase impenetrável, excessivamente educado. Uma cena em que isto se evidencia é aquela em que ele lê a carta deixada por Charlotte. A bruta transformação do personagem de alguém generoso em um homem perverso não é assimilada com facilidade. Ali ele apresenta, finalmente, seu lado humano (no pior sentido do termo). Sua paixão por Lolita é pouco convincente. Parece ter saído de um grande filme clássico: romântico e gélido.


Por seu lado, o Humbert de Jeremy Irons é tão humano que poucos condenariam com veemência suas ações, tamanha a empatia do personagem. Dele e de Lolita, aliás. A versão de Adrian Lyne, mais fiel ao livro, nada tem de frieza. É um filme quente e levemente úmido. Nada é perfeito. Os cenários e os personagens são bagunçados. Há muito movimento. Se a Lolita de Kubrick era "plantada" nas cenas, a Lolita interpretada por Dominique Swain está sempre fugindo aos olhares. É escorregadia. Suas agitações tão peculiares desestabilizam Humbert e o carregam consigo. Aqui vemos de fato a paixão do personagem por Lolita. Aqui ela é compreensível, porque aqui existe uma Lolita apaixonante: com um sorriso doce, a jovem menina conquista todos à sua volta; mas seu lado "ninfeta" descrito por Humbert é notado por poucos. Existe um quê de frescor, de imaturidade, de insegurança. 


O personagem de Irons é seduzido por esse universo, que reavivava nele memórias da infância. Apesar da precocidade e da tentativa à todo custo de parecer uma mulher (com seu batom vermelho e suas histórias), a Lolita de Adrian Lyne não deixa de nos lembrar que tudo aquilo pertence ao mundo de uma menina. Isto evidencia-se na cena em que ela leva um tapa de Humbert e, incrédula, sai do carro em direção ao deserto. Ela não tinha mais onde ir. Aquele romance, que nos encantava no início e que nos fazia esquecer o fato de ela ser praticamente uma criança, aqui se desfaz. Com a morte da mãe - que aliás nem a queria por perto - Dolores não tinha ninguém no mundo além de homens que desejavam algo mais que sua simples companhia. Lolita é um dos personagens mais solitários que conheço. E por nos lembrar esta condição, a versão de 1997 aproxima-se mais da tragédia.           

Singing in the rain (Cantando na chuva) - Stanley Donen (1952)

"Cantando na chuva" é um filme divertido. Um musical. Ao que parece é uma espécie de homenagem ao cinema - especialmente ao cinema falado -, na qual retrata-se de modo cômico todas as adversidades encontradas por diretores, produtores e atores na transição do cinema mudo para este. Alguns destes empasses são a sincronização entre fala e gesto (que na história acaba inspirando a resolução de um problema) e a própria atuação dos atores, que no cinema mudo apresentavam trejeitos exagerados e pouco naturais. Apesar de ser ignorado de início por alguns cineastas, o cinema falado rapidamente ganhou repercussão e passou a ser a preferência do público, o que exigiu muitas transformações na forma de se conceber um filme.
"Cantando na chuva" conta com coreografias impecáveis e um ritmo medido. Algumas cenas ficaram marcadas, e alguns detalhes de cena (como no início, quando algumas "estrelas" de cinema são recebidas no lançamento de um filme com muita euforia pelo público, principalmente por um homem que grita o nome de Zelda - uma das atrizes. Essa é uma cena muito engraçada. Retornei à ela inúmeras vezes). 


Existe a cena clássica de Gene Kelly literalmente cantando na chuva. Uma cena emblemática, daquelas que quando inicia você pensa: é agora. Mas uma cena em especial considero de uma beleza indizível: quando o personagem central narra ao produtor de seu filme uma das últimas cenas a serem gravadas. 


Em um determinado momento ele imagina-se em um espaço amplo, com tons suaves de branco, rosa e azul. Uma cena de dança. A atriz está vestida com um vestido branco que lembra um grande véu. Nele há uma enorme calda que baila lindamente na cena, com presença tamanha que mais parece um terceiro personagem. Apesar de gostar de poucos musicais este me agradou bastante. Gene Kelly de fato é um grande ator e dançarino.