Há a Lolita de Stanley Kubrick (1962), com a frieza e inércia de Sue Lyon. Mas também há a Lolita de Adrian Lyne (1997), com a doçura e as agitações de Dominique Swain. Particularmente, fico com Dominique. Contudo, há que se considerar a comédia em que Kubrick transforma o romance de Nabokov.
Comecemos por quem chegou primeiro. Em sua versão, Kubrick apóia-se na história do livro, mas a refaz a seu modo. O que era um drama apresenta-se de forma levemente cômica. A ironia de sua visão supera a tragédia. Com a rigidez habitual do diretor - tanto em seus planos como nas atuações -, temos aqui uma Lolita com poucos movimentos, sempre inserida estrategicamente nas cenas, como uma escultura, algo a ser apreciado - e que causa grande interesse em Humbert, personagem interpretado por James Mason. Apesar de fria, ela não deixa de ser sedutora, e quem sabe seu ponto alto esteja aí, nesta indiferença com tudo. É uma ninfeta tragável. Todavia, o Humbert de Mason pouco lembra o Humbert de Nabokov. É um personagem quase impenetrável, excessivamente educado. Uma cena em que isto se evidencia é aquela em que ele lê a carta deixada por Charlotte. A bruta transformação do personagem de alguém generoso em um homem perverso não é assimilada com facilidade. Ali ele apresenta, finalmente, seu lado humano (no pior sentido do termo). Sua paixão por Lolita é pouco convincente. Parece ter saído de um grande filme clássico: romântico e gélido.
Por seu lado, o Humbert de Jeremy Irons é tão humano que poucos condenariam com veemência suas ações, tamanha a empatia do personagem. Dele e de Lolita, aliás. A versão de Adrian Lyne, mais fiel ao livro, nada tem de frieza. É um filme quente e levemente úmido. Nada é perfeito. Os cenários e os personagens são bagunçados. Há muito movimento. Se a Lolita de Kubrick era "plantada" nas cenas, a Lolita interpretada por Dominique Swain está sempre fugindo aos olhares. É escorregadia. Suas agitações tão peculiares desestabilizam Humbert e o carregam consigo. Aqui vemos de fato a paixão do personagem por Lolita. Aqui ela é compreensível, porque aqui existe uma Lolita apaixonante: com um sorriso doce, a jovem menina conquista todos à sua volta; mas seu lado "ninfeta" descrito por Humbert é notado por poucos. Existe um quê de frescor, de imaturidade, de insegurança.
O personagem de Irons é seduzido por esse universo, que reavivava nele memórias da infância. Apesar da precocidade e da tentativa à todo custo de parecer uma mulher (com seu batom vermelho e suas histórias), a Lolita de Adrian Lyne não deixa de nos lembrar que tudo aquilo pertence ao mundo de uma menina. Isto evidencia-se na cena em que ela leva um tapa de Humbert e, incrédula, sai do carro em direção ao deserto. Ela não tinha mais onde ir. Aquele romance, que nos encantava no início e que nos fazia esquecer o fato de ela ser praticamente uma criança, aqui se desfaz. Com a morte da mãe - que aliás nem a queria por perto - Dolores não tinha ninguém no mundo além de homens que desejavam algo mais que sua simples companhia. Lolita é um dos personagens mais solitários que conheço. E por nos lembrar esta condição, a versão de 1997 aproxima-se mais da tragédia.